Os constantes desafios da Democracia

O que se quer é representantes que estejam esclarecidos sobre as ideologias que os seus próprios partidos devem ter, distinguindo-se assim uns dos outros

Desde 2011 que Portugal conhece uma forte mudança social que resultou parcialmente quer das políticas de austeridade quer de medidas de flexibilização do mercado de trabalho, no sentido de facilitar cessações de contratos de trabalho e reduzir salários. Medidas que tiveram fortes consequências na destruição de emprego e no aumento das desigualdades no trabalho. Neste contexto, urge responder não só aos problemas económicos estruturais do país como ao agravamento da situação social.

A História de um país é feita de uma permanente procura de superação e hoje, mais do que nunca – especialmente considerando o preocupante aumento das desigualdades sociais – é necessária uma atitude que combata o desalento de muitas pessoas e famílias.

Na sua obra “A Promessa da Política”, a ensaísta Hannah Arendt realçava que “a História tem muitos fins e muitos começos, sendo cada um dos seus fins um novo começo”. E, de facto, a História ensina-nos que as dinâmicas da Democracia não se podem circunscrever a uma simples dimensão institucional pois é, sobretudo, do seu exercício que se firmam as suas diferentes dimensões. A vivência da Democracia assenta, justamente, nesta incessante procura de equilíbrios nas suas múltiplas dimensões.

A Democracia é, assim, dinâmica e concretiza um esforço colectivo de reconstrução de uma nova ordem, sendo na óptica deste dinamismo que é preciso compreender a “viagem democrática”. Os problemas vividos pela Democracia actual devem ser também entendidos na dinâmica do seu próprio futuro e num apelo conjunto ao diálogo no sentido da defesa do bem comum, considerando que o momento presente apenas constitui uma etapa. 

Aliás, a profunda reconfiguração do mercado de trabalho português no sentido da sua segmentação, assim como o consequente aumento das desigualdades sociais, tenderá a desencadear um amplo processo de renovação democrática. A verdade é que no âmbito desta crise socioeconómica, é necessário que se interiorize que a participação democrática vem sendo ampliada por diversas formas de debate público, especialmente facilitada pela afirmação progressiva da sociedade de informação e o acesso à Internet. E esta possibilidade de "sair da existência privada" – qualidade que Hannah Arendt reconhecia como a primeira entre todas as virtudes políticas – e consequente proximidade de acesso ao exercício da actividade democrática cria novas exigências ao exercício da Democracia.

Nesta medida, os partidos, estruturas essenciais para a Democracia, necessitam de forma incessante de processos de democratização interna e de se abrir à sociedade. E de renovar as suas elites, entendidas no melhor sentido da palavra, não de oligarquias ou afins. Daí que responder verdadeiramente às questões sociais fundamentais da actualidade e às inquietações das pessoas propenda para elevar o nível exigido a cada representante da Democracia. O que se quer é representantes que estejam esclarecidos sobre as ideologias que os seus próprios partidos devem ter, distinguindo-se assim uns dos outros. Tanto mais que a Democracia, pelo seu inerente dinamismo, tem (e terá) sempre muitos desafios a enfrentar por forma a evitar um crescente distanciamento entre a maioria do eleitorado e o sistema político vigente, cada vez mais visível ao nível da taxa de abstenção.

Professora universitária e investigadora

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