COP28: um resultado histórico, mas para quem?

Para tornar o resultado da COP28 verdadeiramente “histórico”, temos de libertar as negociações — e os nossos sistemas políticos e económicos — das garras oleosas da indústria dos combustíveis fósseis.

A COP28 foi histórica. Para que haja uma hipótese de manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5 ºC, a era do carvão, do petróleo e do gás tem de acabar.

Ao concordar com a “transição para o abandono da utilização de combustíveis fósseis”, a COP28 representou a primeira vez que estes foram incluídos num texto da ONU sobre as alterações climáticas.

No entanto, uma análise mais atenta do texto revela uma “longa lista de lacunas” e de escapatórias que permitirão à indústria prosseguir como até aqui, e, ao mesmo tempo, anunciar que está a fazer o combate justo. Da perspectiva deles: missão cumprida.

Isso não é surpreendente, dado que os seus grupos de pressão inundaram a COP28, que foi, ela própria, presidida por um executivo do petróleo.

Garantir que o acordo é verdadeiramente histórico significa que temos de garantir que a política climática não seja cooptada pela indústria dos combustíveis fósseis. Isso significa abordar o problema, de raiz, tanto em Bruxelas como na ONU.

Os combustíveis fósseis no centro das atenções

O processo foi cooptado muito antes da cerimónia de abertura no Dubai. A nomeação de Al Jaber, diretor executivo da Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC), como presidente da COP28 foi, compreensivelmente, recebida com indignação. Trata-se de um conflito de interesses gritante. Mas este foi apenas o exemplo mais óbvio do que já se passa há anos: a indústria dos combustíveis fósseis ao comando das conversações.

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Al Jaber na COP28 AMR ALFIKY/REUTERS

No início da primeira semana, a coligação Kick Big Polluters Out (Expulsem os Grandes Poluidores) revelou que o número de lobistas dos combustíveis fósseis presentes na COP28 era quase quatro vezes superior ao do ano anterior. Os 2456 lobistas superavam as delegações combinadas das dez nações mais vulneráveis ao clima.

Juntas, as cinco grandes empresas do petróleo e do gás – BP, Shell, TotalEnergies, ExxonMobil e Chevron – trouxeram 65 lobistas, sendo que todas, excepto a Chevron, eram lideradas pelo seu presidente executivo. A italiana Eni e a norueguesa Equinor também garantiram lugares para os seus executivos de topo, integrando equipas de pressão muito grandes (24 e 14 pessoas, respectivamente).

O governo norueguês já tinha anunciado publicamente que convidaria a Equinor para as conversações, mas os governos europeus e a Comissão Europeia trouxeram mais de 130 lobistas dos combustíveis fósseis. Entre eles, os directores executivos da italiana Eni, da francesa TotalEnergies e da transportadora de gás belga Fluxys.

“Acham mesmo que a Shell, a Chevron ou a ExxonMobil estão a enviar lobistas para observarem passivamente estas conversações?” perguntou Alexia Leclercq, da Start:Empowerment, membro da Kick Big Polluters Out.

A indústria estava lá para reabilitar a sua imagem como parte da solução. A Carta de Descarbonização do Petróleo e do Gás, defendida por Al Jaber e assinada por 50 executivos do sector, foi crucial para o efeito.

Todos eles se comprometeram a atingir a neutralidade carbónica até 2050 nas suas “operações”, mas não em relação às emissões dos seus produtos centrais de negócio. Isso permitiria, hipoteticamente, aumentar a produção de petróleo e gás, desde que as plataformas fossem alimentadas por energia solar.

Uma longa lista de lacunas

A ministra alemã dos Negócios Estrangeiros anunciou o resultado da COP28 como o “fim da era dos combustíveis fósseis”. Mas os negociadores dos pequenos Estados insulares criticaram a “longa lista de lacunas” do texto.

São tantas que até as grandes empresas do petróleo e do gás louvaram o resultado. As lacunas incluem a ausência de uma definição do que se entende por “transição para o abandono da utilização de combustíveis fósseis”, a ausência de um calendário e o reconhecimento, no texto, de um papel para os “combustíveis de transição”, o termo usado na indústria para o gás fóssil.

O ministro britânico do Clima, Graham Stuart, disse até à BBC que as novas licenças para a extracção de petróleo e de gás no Mar do Norte eram “sem sombra de dúvida, um abandono gradual dos combustíveis fósseis”.

O texto apoia explicitamente “tecnologias de baixas emissões”, nomeando a “captura, utilização e armazenamento de carbono” (CCUS) e o “hidrogénio com baixo teor de carbono” (ou seja, hidrogénio feito a partir de gás fóssil com tecnologias CCUS).

Ambas são distracções perigosas activamente promovidas pela indústria como uma forma de continuar a extrair petróleo e gás, desviando a atenção dos combustíveis fósseis no solo para a redução das suas emissões.

A própria COP28 assistiu a numerosas iniciativas voluntárias em torno das tecnologias CCUS e do “hidrogénio com baixo teor de carbono” a serem imediatamente apoiadas pelos governos e executivos do sector dos combustíveis fósseis.

Impeça-se a entrada aos pirómanos

Para tornar o resultado da COP28 verdadeiramente “histórico”, temos de libertar as negociações — e os nossos sistemas políticos e económicos — das garras oleosas da indústria dos combustíveis fósseis. Isto aplica-se particularmente à UE. O novo Comissário para a Acção Climática, Wopke Hoekstra, tem ligações aos grandes poluidores.

É por isso que a campanha Kick Big Polluters Out está a lutar por uma política de prevenção de conflito de interesses para proteger as conversações e as nossas capitais da interferência dos combustíveis fósseis. Fizemos o mesmo com a indústria do tabaco, criando uma barreira para proteger os responsáveis políticos do lóbi do tabaco. Agora é a vez do carvão, do petróleo e do gás.

Em Junho de 2024, os negociadores voltarão a reunir-se em Bona, na Alemanha, para preparar a COP29. Os conflitos de interesses estarão na ordem do dia. Espera-se uma batalha, já que a indústria dos combustíveis fósseis e os governos que a apoiam não tombarão silenciosamente – na ONU e nas nossas capitais.

Este texto foi publicado originalmente em Euronews