Imaginem que alguém nos oferecia um negócio perverso, que funcionaria mais ou menos assim: a atmosfera ficaria livre de excesso de carbono se clicássemos num botão. Não seria um botão qualquer, mas sim um dispositivo capaz de conectar mundos opostos, permitindo soluções globais, mas com custos remotos. Carregamos no tal botão atraídos pela ideia do fim da crise climática e quase não lemos as letrinhas pequeninas que dizem "podem estar a matar dois chimpanzés na Guiné".

Esta máquina imoral não existe, claro está. Mas é uma realidade que a transição energética global pode estar a ser feita às custas de riscos em países longínquos. E, como não as vemos estas ameaças, parece que as ameaças não existem. Um estudo científico publicado esta quarta-feira, e que faz a capa da revista Science Advances, mostra que mais de um terço dos grandes símios que vivem em África está sob ameaça da crescente exploração de minerais como o lítio.

E para que servem elementos como o lítio, o níquel e o cobalto? Estes minerais raros são essenciais para a produção de baterias de carros eléctricos e tantos outros dispositivos indispensáveis à transição energética. Precisamos de todo esse esforço para reduzir a emissão de gases com efeito de estufa para a atmosfera – não há dúvidas disso, que fique claro –, mas isso não significa que vale tudo para limitar o aumento das temperaturas globais a 1,5 graus Celsius (em relação ao período pré-industrial).

Quando falamos no fim da queima de combustíveis fósseis, tendemos a substituir mentalmente o fumo dos carros por coisas poéticas como o sol e o vento. Esquecemo-nos que a produção e o armazenamento de energia, por mais limpa e renovável que seja, exige não apenas conhecimento científico, mas também maquinaria pesada e recursos naturais.

Os carros eléctricos são um bom exemplo disso: não emitem poluição, mas não são perfeitos do ponto de vista ambiental. E, como mostra o estudo da Science Advances, estes veículos podem vir a deixar um brutal rasto de destruição noutro continente, sob a forma de desflorestação e de ameaça à vida e ao bem-estar de grandes símios como os chimpanzés.

Se não quisermos "um futuro sombrio" para estes ecossistemas africanos, vamos ter de aprender a extrair minerais de forma responsável. Isto significa evitar zonas sensíveis para animais ameaçados como os grandes símios, afirmam os autores do estudo. Também vamos ter de reutilizar recursos, extraindo componentes de carros eléctricos que vão para abate, por exemplo.

"É crucial que adoptemos uma mentalidade de redução do consumo e que os governos e os decisores políticos abracem políticas de reciclagem mais eficazes, de modo a facilitar a reutilização sustentável de metais", explicou ao AZUL a autora Jessica Junker, investigadora da Re:wild, uma organização dedicada à conservação da vida selvagem.

As baterias dos carros que muitos de nós têm na garagem resultam de uma cadeia de produção cuja complexidade precisamos de compreender melhor. Um primeiro passo é reduzir a opacidade do sector mineiro, defende Jessica Junker, que encoraja as entidades credoras, incluindo o Banco Mundial, a garantir acesso aos dados ambientais. Com mais transparência, não estaríamos a carregar no botão da acção climática sem saber o que está a acontecer do outro lado do mundo.