Foi Sempre a Agatha: “A bruxa que há em mim tinha de se exprimir”

A actriz Kathryn Hahn só podia ser a protagonista da nova série da Marvel que se estreia esta quinta-feira na Disney+. Uns minutos de conversa sobre o arquétipo da bruxa, musicais e Agatha Harkness.

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Kathryn Hahn em Foi Sempre a Agatha Disney+
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Foi Sempre a Agatha é uma série Marvel diferente. Os tecidos conectivos com o omnipresente Universo Cinemático Marvel (UCM) existem, mas estão enfeitiçados. Esta é uma série de mulheres, que reforça e emancipa o arquétipo da bruxa com vénias às suas antecessoras da cultura popular, das vítimas dos julgamentos de Salem às histórias da série fofinha Casei Com Uma Feiticeira (1964-72) ou do filme tornado de um certo culto O Feitiço (1996), e que não esquece que deriva de WandaVision, uma das séries mais originais da Marvel desde que os estúdios se desdobraram em televisão. E depois há Kathryn Hahn. Cinco minutos com a actriz cujo leve toque de excentricidade e humor a tornam “diferente” em Hollywood.

Começou como actriz secundária e demorou cerca de uma década a ganhar papéis de protagonista. É aquele rosto e nome que é recebido com agrado e uma vertigem sorridente quando se sabe que participa num projecto. A vizinha simpática de WandaVision, esse tributo permanente às diferentes eras da ficção televisiva misturado com super-heroísmo, afinal era a feiticeira Agatha Harkness e andava a sabotar tudo. Era inevitável ter a sua própria série?

“Lembro-me de ter pensado que este papel era inevitável. Como se, a dada altura, a bruxa que há em mim tivesse de se exprimir, e era fantástico que fosse com estes humanos, neste enquadramento”, diz ao PÚBLICO em videochamada. Está rodeada de um elenco especial, uma espécie de Halloween antecipado (ou será emancipado?): Aubrey Plaza, Patti LuPone, Shasheer Zamata e Joe Locke, que vem da série Heartstopper e que interpreta a personagem conhecida apenas como Adolescente, um deslumbrado gótico gay.

“Não fazia ideia de que isto aconteceria no futuro. Imaginei que ela iria aparecer talvez em mundos diferentes”, parte da confusa e pouco unânime fase multiverso do UCM, mas “só descobri no Verão depois de a série [WandaVision] ter terminado. Foi uma loucura, não acreditei até estar na primeira prova de figurinos. Não conseguia perceber o que se estava a passar. E ainda não me parece real que seja a personagem titular”. Não é falsa modéstia. Hahn não tem grandes filtros.

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Rio Vidal (Aubrey Plaza) em Foi Sempre a Agatha Marvel Television

A série é do mesmo autor de WandaVision, Jac Schaeffer, que escreve, e da produtora Mary Lovanos. No início, parece que se enganaram na série. Mas não, isto não é Mare of Easttown, embora tal como WandaVision haja várias piscadelas de olho a séries de género e às bruxas que antecederam Foi Sempre a Agatha. O grupinho de bruxas que se reuniu no plateau sentiu “tanta liberdade criativa” que ser ou não Marvel era secundário. Ou seja, esta é uma série que podia não ser da Marvel em muitos aspectos. E que ao contrário de títulos como O Falcão e o Soldado do Inverno, por exemplo, não tem o belicismo constante da testosterona, nem os impulsos de confronto destas mulheres são imediatos e incontroláveis. "Witches Brew", abastardando o clássico Bitches Brew de Miles Davis, e o caldo faz-se langorosamente.

A figura da bruxa é tanto uma efígie da demonização da mulher que diverge da norma quanto uma figura de emancipação. Vinda dos comics, Agatha Harkness é cómica, traiçoeira e está numa série que também é em parte um musical (o tema original é candidato a música orelhuda do Dia das Bruxas). O que acrescenta esta Agatha ao arquétipo? “A razão pela qual elas são tão intimidantes, assustadoras e ameaçadoras é o facto de poderem existir sozinhas sem precisarem da ajuda de ninguém. São uma espécie de forrageiras originais que podem viver na floresta e isso é ameaçador especialmente para os homens, porque não são necessários — e para outras mulheres que estão a viver vidas que talvez desejassem estar a viver na floresta com outras mulheres.”

Hahn é uma originalidade no meio do discurso formatado de alguns actores, especialmente no âmbito do potente UCM. Não faz propriamente uma revolução, mas é refrescante e Foi Sempre a Agatha está ali entre a comédia, o terror e a série para ver em família. “Agatha é uma bruxa sem conventículo”, explica sobre a premissa da aventura e sobre a ausência da sonoridade de feiticeiras de que necessita, “mas tem um jovem incrível”, interpretado por Joe Locke, ao seu lado. E objectivos esquivos mas charmosos.

A sua personagem tem séculos de idade e tem a “capacidade de ocupar espaço e de não se coibir de exprimir sentimentos grandes e feios”, descreve. O espaço que lhe cabe agora no UCM e na Disney+, onde se estreia esta quinta-feira com os dois primeiros episódios, é de um total de nove episódios. O UCM e o desenvolvimento de séries na Disney+ e quejandos está em discreto processo de redefinição e contar uma história no seu seio pode ter constrangimentos. Hahn não se revê nisso. “Quando estávamos no plateau, sentimo-nos como uma trupe de actores, como um pequeno grupo de teatro. Estávamos completamente protegidos da escala do que esta série seria neste universo. Foi muito aconchegante e caseiro.”

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